Natural de Coronel Vivida e atual presidente do Grupo de Apoio a Mama (Gama) de Pato Branco, Clemair Terezinha Ruffato Bertol, é um desses modelos de mulher que, no momento da dor, da angústia, não recua, não se desespera. Pelo contrário, ergue a cabeça e enfrenta a tempestade de peito aberto, confiante que logo o turbilhão vai passar.
Mulher vitoriosa, hoje ao lado de um grupo de mulheres que também foram vítimas do câncer de mama e, assim como ela, conseguiram derrotá-lo, ela leva conforto e orientação através de palestras, encontros e eventos desenvolvidos pelo Gama e pela Casa de Apoio a outras mulheres que ainda enfrentam a doença.
“Eu percebo que o meu trabalho hoje tem uma grande responsabilidade, que é a divulgação sobre a doença e principalmente quanto à prevenção e o acolhimento das pessoas que vêm até nós”.
Diário do Sudoeste - Quando você veio morar em Pato Branco?
Clemair - Eu e meu marido viemos para Pato Branco em 2005, quando abrimos uma empresa de alimentos e eu fui transferida para lecionar nas escolas do município. Atuei por muito tempo como professora na Escola Municipal Rocha Pombo e depois dei continuidade ao meu trabalho em outras escolas de Pato Branco.
Sinto muito orgulho em ter me dedicado à educação e, agora, como aposentada, dou continuidade ao meu trabalho na área, mas de uma maneira diferente, que é educar para a saúde. O meu trabalho, junto com as demais voluntárias do Gama, foca na prevenção, por parte das pessoas, principalmente das mulheres, contra o câncer de mama.
Diário - Você tem filhos?
Clemair - Tenho quatro filhos, dois homens e duas mulheres, e 11 netos. Todos vivem fora, porque os filhos foram estudar em outras cidades e acabaram conseguindo trabalho lá. Eu e o meu marido acabamos ficando aqui. Mas nós temos o nosso espaço, uma chácara pequena, que quando vêm os netos fazemos uma verdadeira festa.
Diário - Como foi quando você descobriu que tinha câncer de mama?
Clemair – Foi no ano 2000 e eu tinha 52 anos. Eu sempre me cuidei, fazia todos os exames periódicos, visitava com frequência o ginecologista e um dia, durante uma viagem à Itália para um encontro da família Bertol, senti algo diferente no corpo, principalmente na mama, mas não sentia dor. Quando retornei, fui ao ginecologista e foi feita uma punção e depois uma pequena cirurgia, onde foi constatado o câncer de mama. Eu fiz uma mastectomia radical, com esvaziamento da axila para a retirada do tumor. Na verdade, tive que tirar toda a mama.
Diário - Na época havia tratamento para o câncer de mama aqui na região?
Clemair – Não havia e eu tive que ir para Curitiba me tratar. A própria cirurgia para a retirada da mama fiz lá. Depois, quando um médico oncologista veio para Pato Branco, continuei o tratamento aqui. Mais tarde, quando já curada, decidi fazer a reconstrução mamária em Porto Alegre – RS, e foi quando eu tive um problema grave de saúde, uma tromboembolia pulmonar. Neste momento pensei que não fosse me recuperar, mas pedi a Deus para que me desse a chance de viver, porque eu queria ajudar outras mulheres a lutar contra o câncer de mama.
Diário - Por quanto tempo você ficou em tratamento contra o câncer de mama?
Clemair – Eu fiz o tratamento por 10 anos. Mas o que a Medicina exige são cinco. Eu fiz o tratamento com a quimioterapia oral por mais tempo por questão de prevenção, e continuo me cuidando, porque devido aos efeitos do tratamento o nosso corpo sofre interferência, vai ficando fragilizado. Por isso temos que dar continuidade e buscar outras formas de repor o que perdemos com o câncer.
Diário - Qual foi a sua reação quando recebeu a notícia de que tinha câncer de mama?
Clemair – Foi muito difícil receber a notícia. Eu lembro que no momento estava acompanhada da minha mãe e ela também estava em tratamento contra um câncer de estômago, por isso não queria contar para ela. Saí do consultório e, escondido dela, fui chorando para casa, mas não contei a notícia logo em seguida, somente contei para o meu marido e para os meus filhos.
Diário - O apoio da família e dos amigos é fundamental para que a pessoa com câncer lute contra a doença. Como a sua família reagiu?
Clemair – A família, os filhos, o marido, todos querem que a gente se recupere rápido, e toda essa energia positiva que eles nos transferem é muito importante para a nossa cura. Eu também tive muito apoio da classe do magistério, de todas as pessoas que me conheciam, eu sempre estava recebendo energia positiva e isso me dava muita força para poder lutar, mesmo nas horas difíceis. O amor, a atenção, o cuidado da família são fundamentais. Eu lembro que os meus filhos e o meu esposo foram maravilhosos. O meu esposo esteve ao meu lado em todos os momentos e me orientava muito na questão alimentar, porque a gente perde muito o apetite e o ânimo quando tem uma doença assim.
Diário - Você acredita que o câncer de mama foi um marco que dividiu a sua vida no antes e depois do câncer?
Clemair – Sim, eu acredito. Porque antes do câncer você tem uma visão da vida e depois você tem outra. Claro que antes da doença eu me dediquei para a minha profissão e para a educação dos meus filhos, mas depois do câncer eu passei a ter outra visão da vida. Hoje eu acredito que nós estamos aqui neste mundo para servir, para fazer alguma coisa boa para o próximo. E eu acredito que Deus nos coloca aqui para ter uma missão, e a minha missão estou tentando cumprir de acordo com o que estou vivendo.
Diário – Quais são as mudanças mais significativas percebidas hoje na sua vida após o câncer de mama e após a criação do Gama?
Clemair – Eu percebo o meu trabalho em uma grande responsabilidade, que é a divulgação sobre a doença e principalmente quanto à prevenção e o acolhimento das pessoas que vem até nós. A nossa vida muda quando percebemos que alguém está confiando na nossa palavra, e por isso não podemos iludi-la de forma nenhuma, é preciso repassar as orientações corretas para que ela não venha a receber informações erradas. Eu sinto que se eu tivesse ficado parada não teria me recuperado, porque eu percebo que o meu trabalho, onde eu posso fazer o bem ao próximo, ajuda a aumentar as minhas defesas. Eu sinto que toda a energia positiva que está ao redor de nós vem beneficiar a nós mesmos. Por isso que eu sempre falo para as mulheres que são voluntárias no Gama, que nós que estamos neste ambiente acolhedor, temos que expirar e inspirar a alegria e a vontade de viver, e eu percebo isso diariamente, desde que eu levanto da cama, que existe toda essa vontade e alegria porque estamos fazendo o bem para alguém.
Diário - Apesar de o câncer de mama trazer momentos ruins, analisando todo o seu caminho até aqui, você percebe que ele te trouxe coisas boas também?
Clemair – Eu penso que às vezes Deus nos faz dar uma parada na vida para que a gente medite e reflita o que estamos fazendo, qual é o nosso objetivo, qual é a nossa tarefa. São momentos como esse que precisamos pensar se estamos agindo de maneira errada com as outras pessoas, com a nossa família e com nós mesmos, e reconhecer onde temos que mudar nosso comportamento.
Diário - Você se considera uma mulher guerreira?
Clemair – Eu me considero, além de guerreira, uma mulher vitoriosa, porque não é fácil lutar contra um câncer. Muitas vezes eu olhava as pessoas andando na rua e pensava: será que eu vou conseguir e ter essa graça de continuar andando pelas ruas?
Diário – Quanto tempo depois de descobrir que você tinha câncer de mama surgiu a ideia de fundar o Gama?
Clemair – Foram cinco anos depois, em 2005. Eu lembro que, na época, as primeiras-damas dos municípios e os grupos de apoio ao câncer que já estavam formados no Estado foram convidados para ir até a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) para um encontro, onde foi feito o lançamento do Movimento Outubro Rosa no Paraná e a proposta era colorir o Estado de rosa. Nós voltamos para Pato Branco e, timidamente, começamos a usar o laçinho rosa e a implantar esse trabalho aqui na nossa cidade.
Diário – Qual a importância do Gama hoje na sua vida?
Clemair – Eu sem o Gama acho que não veria muita graça em viver, porque eu me dedico de corpo e alma, eu realmente vesti a camisa. E não só eu, a minha família, o meu esposo também, e eu acho que é uma batalha do dia a dia que nós estamos vencendo e ganhando cada vez mais força e o apoio de toda a população para poder crescer ainda mais. Nós sentimos que a semente que nós plantamos frutificou e muitas pessoas vêm até nós e nos dão testemunho de que o nosso trabalho está valendo a pena ser feito, e é isso que nos enobrece e dá força para que a gente continue.
Diário – Quanto à Casa de Apoio, o que ela representa mediante a todo o trabalho que vocês fizeram e fazem até hoje?
Clemair – É um sonho que se tornou realidade. Nós iniciamos com um sonho pequeno e não tínhamos a ideia que se tornaria tão grande. E de todos que têm vindo até nós, só temos recebido elogios, que eu considero sinceros, porque eles constatam a verdade, já que aquilo que foi feito está aqui para que todo o público perceba que tudo foi investido realmente em uma causa nobre.
Entrevista Diário do Sudoeste - Dayanne Nascimento