Há mais de uma década, mulheres que tiveram ou estão em tratamento de câncer de mama em Curitiba se uniram para compartilhar experiências. A Associação Amigas da Mama (AAMA) contabiliza mais de 5 mil cadastros de mulheres que foram até o local para conseguir apoio emocional, jurídico e mesmo próteses externas ou perucas.
A associação oferece um kit para as mulheres que passaram por cirurgia: almofada, para colocar debaixo do braço, porta-dreno e prótese externa. O material é arrecadado com doações ou feito por voluntárias como Lurdinha Girotto, 61 anos, que teve um câncer há 12 anos. “Quando encontrei o grupo, foi muito importante porque não conhecia ninguém que tivesse sobrevivido ao câncer”, conta. Atualmente, ela faz os porta-drenos, que facilitam o transporte do equipamento que é usado por muitas pacientes.
A advogada Valéria Lopes (foto), de 45 anos, é uma das que está na AAMA desde a sua fundação. Ela descobriu um câncer de mama aos 28 anos. Superou a doença e hoje é voluntária na associação. Valéria aproveita seu conhecimento jurídico para auxiliar mulheres que buscam orientação e se engajar em outras causas, como a isenção do ICMS para a compra de carros por mulheres mastectomizadas – já que muitas necessitam de veículos adaptados em função da retirada de músculos e nervos juntamente com o tecido cancerígeno.
Custo da cirurgia é superior à remuneração paga ao hospital
A cirurgia de reconstrução de mama não é uma simples colocação de prótese de silicone: existem técnicas diferentes que se adaptam à necessidade de cada paciente. Há cirurgias em que os médicos usam até mesmo retalhos de tecido muscular e gorduroso.
Em alguns casos, as pacientes devem ser operadas mais de uma vez, porque a reconstrução da auréola e do mamilo não é imediata – geralmente é feita três meses depois, até na rede privada. Além disso, é preciso garantir a simetria do colo.
A prótese de silicone, por sua vez, deve ser comprada pelo gestor municipal. Em alguns casos, médicos usam uma prótese expansora, que prepara o tecido do colo para receber a definitiva posteriormente. “O procedimento não é estético, é uma questão de identidade da mulher. Mesmo quem faz a reconstrução tem dificuldade de aceitar e a cirurgia também tem seu limite”, alerta o mastologista Cícero Urban.
O problema é que o custo dos procedimentos normalmente é superior à remuneração paga ao hospital. Atualmente, um hospital de alta complexidade como o Erasto Gaertner recebe cerca de R$ 3,5 mil para um tratamento completo, que inclui mastectomia e reparação com prótese expansora. O valor dá uma folga de pouco menos de R$ 300 em relação aos custos, mas, como não inclui a prótese definitiva, gera um déficit para o hospital.
No ano passado, o centro médico realizou cerca de 280 cirurgias de câncer de mama e 40% delas foram mastectomias, o que representa pouco mais de 110 casos. Quase metade das pacientes fez a reparação imediata ou em até oito meses. O restante precisa esperar mais tempo. (FT)
Existem pacientes que recebem indicação para fazer a mastectomia bilateral. A retirada das duas mamas tem por objetivo reduzir os riscos de um novo tumor. Quem passa por esse tipo de cirurgia recebe avaliação psicológica e faz análise genética, já que há um grande número de mulheres na faixa dos 30 anos com mutação de genes que facilita o desenvolvimento da doença. “O médico coloca como uma das opções, mas não a única. O próprio tratamento reduz de 30% a 50% o risco de câncer na outra mama”, explica o mastologista Cícero Urban.
Segundo o Ministério da Saúde, atualmente a orientação é que, se houver indicação médica, a paciente seja submetida à cirurgia única. Na prática, não é bem isso que acontece: no ano passado, em todo Brasil, foram realizadas 12.563 mastectomias e apenas 1.394 cirurgias reparadoras na rede pública. No Paraná, foram 782 procedimentos de retirada e 78 reconstruções.
O Projeto de Lei 3/2012, aprovado pelo Senado em março, ainda aguarda a sanção da presidente Dilma Rousseff (PT) para entrar em vigor. A cirurgia única, embora seja um avanço, ainda não será indicada para todas as pacientes: o procedimento só poderá ser adotado com aval médico, pois a reconstrução não é recomendada a todas as mulheres.
Mesmo assim, médicos e gestores de hospitais veem a medida de forma positiva. “A lei é importante porque vai permitir um procedimento que não era rotina, porque não era beneficiado com um código para pagamento pelo SUS”, avalia o oncologista Sérgio Hatschbach, do Hospital Erasto Gaertner e do Instituto Paranaense de Oncologia.
Recomendação médica
A reparação da mama não é indicada para todas as pacientes: há casos que permitem a cirurgia única, outros que vão exigir a recuperação tardia e ainda mulheres que não poderão colocar próteses de maneira alguma. Independentemente da situação, a premissa básica do médico é ouvir o desejo da paciente.
Em muitos casos, a reconstrução é feita tardiamente para não atrasar o tratamento do câncer, já que a colocação de próteses pode causar infecções ou rejeição. O adiamento é indicado para mulheres que tiveram tumores agressivos e precisarão passar por sessões de radioterapia. O tempo de espera para a reconstrução é de no mínimo seis meses. Para pacientes muito graves, que tiveram os piores prognósticos, a reconstrução só será indicada de dois a dois anos e meio após a retirada da mama.
O mastologista do Hospital Nossa Senhora das Graças e professor da Universidade Positivo Cícero Urban ressalta que há dificuldades em fazer a reconstrução mamária imediata no mundo todo. No Brasil, os principais problemas são o pagamento na rede pública e a carência de profissionais especializados. “O câncer já é um drama, ele não precisa ser uma mutilação”, defende.
“É um luto que você guarda”, diz paciente
Foi durante a recuperação de uma cirurgia para correção de um problema de coluna que a dona de casa Ireide Maria de Carvalho Ribeiro, de 51 anos, sentiu um caroço no seio. Inicialmente, ela pensou que a bolinha pudesse ser reflexo de uma cirurgia de redução de mama, feita para tentar aliviar as fortes dores nas costas. Por outro lado, havia a desconfiança de que pudesse ser um nódulo, já que a mãe teve câncer de mama.
Em agosto, o diagnóstico foi um baque: era um tumor e, por causa do tipo, era preciso retirar toda a mama. “Foi um choque. Eu nem tinha me recuperado da coluna quando tive a notícia do tumor”, conta. Sem plano de saúde, o tratamento está sendo feito na rede pública, mas não integralmente. Para agilizar o processo, Ireide pagou do próprio bolso as biópsias, mamografias e ecografias que precisou fazer. Gastou mais de R$ 1.000, mas pode começar o tratamento mais rapidamente.
Foram seis meses de quimioterapia e no final de fevereiro deste ano, Ireide fez a cirurgia que retirou seu seio. Para a reconstrução, ainda não há previsão, mas o médico aconselhou que ela esperasse pelo menos seis meses.
Embora esteja se recuperando bem da cirurgia – foi preciso drenar o líquido que ficou retido, mas já houve a liberação para a continuação do tratamento com radioterapia – as mudanças no corpo abalam o lado emocional. “É um luto que você guarda, um pedaço seu que saiu de você”, desabafa.